quarta-feira, 18 de setembro de 2013

ainda faltam histórias

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bjs 

O avanço da jângal

O avanço do jângal


Estão lembrados de que, após matar Shere Khan, Mowgli declarou aos lobos da alcateia de Seone que dali por diante caçaria sozinho; e os quatro filhotes de Mae Loba disseram que o acompanhariam.
A primeira coisa que Mowgli fez, quando a alcateia se dispersou, foi abrigar-se na caverna dos seus amigos lobos e dormir todo um dia e toda uma noite. Ao despertar contou a eles que ali se sentia compreendido e todas as histórias que tinha vivido na aldeia, inclusive sobre o plano para acabar com Shere Khan e fez brilhar  o sol na lamina da faca que usara para esfolara o tigre manco.
Mãe loba não gostava nada dessa conversa:
- Felizmente não vi nada disso, respondeu Mae Loba. Não suporto ver meus filhos tratados como chacais. Teria jurado vingança contra a alcatéia dos homens, poupando apenas a mulher que te deu leite. Sim, só pouparia a ela.
- Paz, paz, Raksha! Murmurou Pai Lobo. Nossa Rãzinha voltou tão cheia de sabedoria. Fiquem os homens com os homens. Baloo e Bagheera fizeram eco a essas palavras:
- Fiquem os homens com os homens.
Mowgli sorria, satisfeito, com a cabeça em repouso sobre o flanco de Mae Loba desejando nunca mais ver, ouvir ou cheirar uma criatura humana.
- E se os homens vierem a ti, irmãozinho? Perguntou Akela, movendo uma orelha.
- Somos. Cinco, rosnou o lobo Gris.
- Temos que esperar pelo revide, observou Bagheera, com um ondular de cauda, pondo os olhos em Baloo. Mas para que pensar nos homens agora, Akela?
- Por uma razão muito simples, respondeu. Depois que a pele do malhado foi estendida na Roca do Conselho, voltei a aldeia pelo caminho que viemos para embaralhar nossas pegadas No caminho encontrei Mang o morcego que me falou que aldeia se prepara para caça-lo irmãozinho com a flor vermelha nas mãos
O menino sem entender nada pensou: Os homens expulsaram-me de lá. Que mais querem comigo? Que pretendem?
- Tu és homem, irmãozinho. Não compete a nós, caçadores livres, dizer o que os teus irmãos homens pretendem, disse.
Bagheera de repente saltou de pé farejando o ar.  Lobo Gris imitou-a. Akela também farejava agachado.Mowgli encheu-se de inveja. Podia farejar odores melhor do que qualquer outra criatura humana, mas estava longe do olfato dos filhos do jângal. Molhou o dedo, esfregou-o no nariz.
- Homem! Rosnou Akela
- Buldeo! Completou Mowgli, sentando-se. Vejam o brilho de sua espingarda.
- Eu tinha certeza de que os homens iam nos seguir. Exclamou Akela com vaidade.
Os lobos já se precipitavam em direção aos homens quando Mowgli os impediu gritando:
- Para trás! Homem não come homem. E a lei da selva é clara a morte de um atrai outros.
- O filhote de homem tem razão. Concordaram.
Começaram então a vigiar o grupo e Mowgli traduzia o que eles falavam. Ele contou que Buldeo ficou muito assustado ao ver as pegadas dos lobos rodeando as do menino. Também contou que pelas conversas tinham prendido Messua e pretendiam entrega-la e sua família a flor vermelha , mais que isso só aconteceria quando ele e os outros voltassem.
- Homens prendem homens? Indagou Bagheera.
- Assim conta Buldeo. Disse Mowgli. Não compreendo muito bem a conversa. Parecem loucos, todos eles. Que fizeram Messua e seu marido para que mereçam prisão? E que historia e essa de serem devorados pela flor vermelha? Tenho de evitar isso. Mas os que pretendem fazer a Messua só farão quando Buldeo voltar. Irmãos lobos atrasem a volta desses homens para a aldeia e Baguera me ajude nessa missão. Vou até alcateia dos homens ver o que esta acontecendo. Resolveu Mowgli por fim.
 Mowgli ouviu o uivo dos lobos se erguer, ecoar e morrer transformado num canto. Percebeu que os carvoeiros e Buldeo, erguiam e baixavam os mosquetes muito amedrontados. Nesse instante lobo Gris deu seu grito de caça, Os demais lobos espalhados pelo jângal responderam em coro, e Mowgli percebeu que toda a alcateia uivava o canto da madrugada. Isto assustou tanto os homens que eles subiram em árvores e ficaram por lá um bom tempo.
Enquanto isso, Mowgli caminhava a passos largos. Notou ao chegar a aldeia que todos os habitantes haviam regressado dos campos mais cedo e que, em vez de estarem nas suas ocupações normais, estavam reunidos sob a figueira, muito excitados, numa conversa sem fim.
Mowgli conhecia muito bem os costumes e hábitos daquela gente. Sabia que, enquanto pudessem comer, conversar e fumar não fariam outra coisa, mas logo depois de terem comido, conversado e fumado, tornavam se perigosos.
Buldeo mais cedo ou mais tarde chegaria e teria uma nova história para contar. Assim refletindo, entrou MowgIi pela janela e, achegando se aos prisioneiros, cortou-lhes as cordas, soltou-os.
Messua estava apavorada com a dor que sentia, pois havia sido apedrejada de manhã e estava muito machucada, MowgIi pos-lhe a mão na boca para não gritar. Seu marido parecia desvairado.
- Eu sabia... Eu sabia que ele voltava, abraçando o menino.
Mowgli fixou os olhos nas feridas da mulher e rangeu os dentes quando viu sangue. Depois de um tempo falou que vinha liberta-los que eles deviam fugir para longe. Mais que esperassem um pouco porque ele tinha plano e que os caminhos do jângal seriam seguros para eles.
Deixou o casal se preparando para fuga e foi ver o que se passava na aldeia. Mowgli saltou pela janela, esgueirando-se ao longo do muro da aldeia, até frontear a figueira das reuniões, onde o vozerio era intenso.
Dali ouviria tudo. Buldeo acabara de chegar e estava sentado, tossindo e resmungando. Seus cabelos caiam sobre os ombros; suas mãos e pernas estavam arranhadas de espinhos. Sentia dificuldade em falar. De tempo em tempo murmurava alguma coisa sobre os diabos para criar na multidão uma expectativa do que pretendia narrar. Depois pediu água.
- Bah!  Pensou o menino. Conversa fiada, palavrório. Os homens são irmãos de sangue dos bandar-log. Agora ele quer Iavar a boca com água, depois fumar, e depois de tudo isto ainda há a sua historia a contar! Deixarão Messua sem guarda, enquanto durarem as Iorotas de Buldeo.
Mowgli sacudiu-se e voltou rápido a casinha de Messua.. Enquanto retonava encontrou mãe loba que vinha ajudar a família que tinha recebido e acolhido seu filho mais amado e disse:
- Eu os acompanharei na fuga. Estou velha, mas ainda tenho dentes.
Mowgli entrou novamente na casa e encontrou o marido de Messua desenterrando um dinheiro que tinha escondido e já prontos para a fuga. Pretendiam ir para aldeia dos ingleses, porém temiam ser alcançados por que estavam muito machucados Mowgli então disse:
- Fujam sem medo. Nenhum homem sairá da aldeia esta noite.
 Pularam a janela. O frescor da noite logo os animou, embora o jângal, ao longe lhes parecesse terrível seguiram o mais rápido que puderam.Antes de partir Mowgli disse que não se assustassem e Messua o abraçou e beijou. Mowgli sorriu. Saíram rumo ao jângal e Mae Loba surgiu do seu esconderijo.
- Siga-os. Disse Mowgli. Cuida que todo o jângal saiba que eles têm passe livre. Vai espalhando a notícia. Vou agora chamar Bagheera e meus irmãos lobos.
O grito de apelo soou. Logo Baguera surgiu e se deitou na cama da cabana a espera dos aldeões a fim de assustá-los.
Ao chegarem à casa de Messua viram no quarto, espichada na cama, negra como piche, terrível como o demônio, Bagheera. Houve meio minuto de apavorante silencio, enquanto a pantera arregalava seus dentes dando um rosnado profundo e fazendo com que todos fugissem com medo para suas casas.
 A rua ficou deserta. Bagheera, que tinha saltado pela janela permanecia ao lado de Mowgli, viu ao longe um bando de criaturas tomadas de pânico, atropelando-se  precipitadamente para suas casas.
Mowgli dormiu tendo seu sono velado pela pantera. Quando acordou soube que Messua tinha chego em segurança a aldeia dos ingleses e que os outros homens não haviam saído de suas casas. Pediu então que Baguera fossem chamar Hathi e seus filhos:
- Diz que venha ter comigo, Hathi e os filhos.
- Irmãozinho, não se vai assim falar com Hathi. Tu te esqueces de que e ele é senhor do jângal
- Tenho. Uma palavra de senha para Hathi. Diga a ele que venha ter com Mowgli, a Rã, e se ele não te escutar, fala do saque dos campos de Bhurtpore.
- O saque dos campos de Bhurtpore, repetiu Bagheera e saiu,
Algum tempo depois.
- Era de fato uma palavra de senha, sussurrou Bagheera ao regressar. Os quatro estavam pastando perto do rio e obedeceram como se fossem bois. Estão chegando
Hathi e seus três filhos chegaram, como de costume sem barulho, ainda com a lama do rio nos flancos. Hathi mascava pensativamente os brotos macios arrancados com a tromba.
Mowgli apenas ergueu a cabeça quando Hathi o saudou e disse:
- Vou contar uma história que ouvi de um caçador, começou Mowgli. Contava que um elefante caiu numa armadilha e foi ferido por uma estaca pontuda deixando nele uma larga cicatriz branca. Os homens vieram para tira-lo da armadilha, mas as cordas com que o amarraram se partiram e o elefante escapou, fugindo para longe e longe ficando até que o ferimento cicatrizasse. Ele voltou, cheio de cólera, as terras desses caçadores, durante a noite junto com seus três filhos, e isso aconteceu há muitas chuvas atrás, em Bhurtpore.  Mowgli se virou pra Hathi e perguntou:
-Que aconteceu aos campos desses caçadores, e as colheitas, Hathi?
- As colheitas foram recolhidas por mim e pelos meus filhos.
- E o preparo da terra para novas plantações depois da colheita? Perguntou Mowgli.
- Nunca mais se arou aquele chão. Respondeu Hathi.
- E que aconteceu aos homens que viviam nesse lugar? E as cabanas em que esses homens moravam?
- Nós destruímos tudo. Os campos foram invadidos pelo jângal, de norte a suI, de leste a oeste. Foram engolidas pelo jângal cinco aldeias, e nessas aldeias, e em seus campos e pastos, não existem hoje um homem só que tire alimento da terra. Agora quero saber como essa historia chegou ao filhote de homem?
Mowgli então respondeu:
- Um homem me contou, e agora vejo que até Buldeo pode falar a verdade. Foi um bom trabalho, Hathi, mas da segunda vez vai ser mais bem feito. Conheces a alcateia de homens que me expulsaram? Gente preguiçosa, insensata e cruel, gente que mata os mais fracos não para comer,  mais sim por esporte.
Mowgli precisava da ajuda de Hathi pra seu plano só o senhor do jângal conseguiria fazer a aldeia desaparecer da terra. E disse então:
- Façamo-los fugir como fugiram os homens dos campos de Bhurtpore, que tudo volte a ser somente floresta e que eu não mais sinta o cheiro do sangue de Messua.
- Não haverá matança? Perguntou Hathi. Minhas presas ficaram rubras no saque dos campos de Bhurtpore e eu não quero nunca mais sentir o cheiro do sangue.
- Nem eu. Nem quero que os ossos dessa gente fiquem sobre a terra. Quero este lugar limpo de sua presença Que se mudem para longe Hathi!
O senhor do jângal entendeu os motivos do menino saiu em marcha para preparar todo o jângal para tomar a aldeia.
Ao cabo de dois dias todos os habitantes do jângal  estavam reunidos e cercavam a aldeia, ao amanhecer os homens perceberam que suas roças tinham sido destruídas pelos comedores de ervas , os búfalos fugiram famintos e alguns outras animais tinham sido abatidos pelos comedores de carne .
Ao anoitecer não tiveram coragem de acender as fogueiras e os elefantes entraram nas terras trazendo mais devastação, destruindo os celeiros e as reservas de comida e as cabanas.
A devastação era tal que os aldeões não sabiam o que fazer, não tinham forças e animo pra reconstruir. Foram consultar os sacerdotes que concluíram que eles deviam ter de alguma maneira ofendido o jângal e que agora ele avançava sobre eles e que nada poderia ser feito para aplacar aquele castigo.
Mais sabe como é o homem apegado a sua terra e os saques e investidas continuaram sobre a cidade até que não mais restou uma única família naquelas terras.
- Tudo há seu tempo! Disse Hathi. Minhas presas estão brancas, não ficaram rubras como em Bhurtpore! As muralhas externas, meus filhos! Todos juntos! Vamos!
Os quatro elefantes trabalharam lado a lado, e os muros foram caindo. Com a estação das chuvas as plantas cresciam em tufos levando embora para sempre o cheiro de sangue e trazendo o jângal para a aldeia. Mowgli pode enfim descansar.
Livro da Selva - Rudyard Kipling

O aguilhão do rei



O aguilhão do rei



Já fazia alguns dias que Mowgli havia voltado pro jângal. Kaa estava mudando de pele pela ducentésima vez e Mowgli foi felicitá-la.
Encontrou Kaa enrolada em espiral no solo, tendo ao lado sua velha pele, ressecada e retorcida.
A amizade dos dois era antiga desde quando ela o tinha salvado nas Tocas frias e a cobra ajeitou-se nos ombros do rapaz para mais uma de suas longas conversas:
- Rãzinha há três ou quatro luas passadas fui caçar nas Tocas Frias e encontrei a Naja Branca – ela é a mãe de todas as serpentes, e mais velha que o mundo, e me falou de coisas acima de minha compreensão e mostrou-me coisas que eu nunca tinha visto antes.
Mowgli muito curioso quis logo saber de tudo e foi perguntando:
.- Debaixo da terra Kaa?
- Sim, ela mora sob uma cidade em ruínas - lá nas Tocas Frias, hoje é  só uma cidade  recoberta pela selva toda destruída , mas já foi o palco e domínio  de reis poderosos, donos de muitos cavalos e elefantes. A Naja Branca foi colocada ali para ser guardiã de um tesouro que está até hoje no mesmo lugar.
- E o que é este tesouro? É bom de comer?
Mowgli não sabia o que era um tesouro. E kaa respondeu:
- Não é caça, e se você tentar come-lo teria quebrado todos os seus dentes! Mas a Naja Branca disse que qualquer homem teria dado a própria vida somente para vê-lo, ou para possuí-lo. Disse Kaa.
Mowgli então pensou e falou pra kaa:
- Estas coisas devem ser "caça nova". Você pode me levar lá! Eu também sou humano, preciso, então, ver esse tal tesouro.
Assim, seguiram os dois amigos para visitar a cobra branca. Chegando lá...
- Boa caçada! Disse Mowgli, que nunca abandonava as boas maneiras, ao entrar. Tinha aprendido isso com seu mestre Baloo.
A grande cobra foi logo perguntando:
-Como está a cidade lá em cima? Devo ter ficado surda, pois há muito não escuto o gongo de guerra, disse ela, sem responder à saudação de Mowgli.
Kaa se adiantou e respondeu:
- Já te disse que não existe mais cidade lá em cima. Sem esperança que a velha naja entendesse, pois era visível para qualquer um que já há muito tempo ela tinha  perdido o juízo.
Sem dar importância a kaa a Naja voltou a falar:
- Sou guardiã dos maravilhosos e valiosos tesouros do Rei. O rajá Kurrun construiu esta abóbada sobre mim, para que eu aqui ficasse protegendo seu tesouro e a ensinando a morte aos que aparecessem. Vê estes "homens" - disse olhando para alguns crânios que se espalhavam pelo no chão – Vieram roubar o tesouro. Falei-lhes no escuro e eles silenciaram para sempre.
Mowgli correu os olhos pela caverna, curioso para ver e entender e conhecer o que seria o tão falado e valioso tesouro.
No fundo viu um punhado de coisas brilhantes.
Mowgli apanhou algumas moedas de ouro caídas no chão e tentou mordê-las e concluiu eram duras e sem gosto.
As facas o interessavam, mas não eram tão boas quanto a que tinha trazido da aldeia dos homens.
Que tesouro mais chato pensou. Não via nada que sirva.
Por fim, depois de muito mexer, achou algo realmente fascinante. Estava meio enterrado em um amontoado de joias era um aguilhão de elefante.
Os caçadores de elefantes o usavam pra conduzir os elefantes presos , mais Mowgli não sabia pra que servia , tinha apenas gostado do objeto porque era enfeitado com figuras de elefante, ele achou lindo e queria mostrar a seu amigo Hathi – o elefante.
 A peça tinha um enorme rubi redondo, no cabo havia uma larga barra de turquesas azuis e mais abaixo um adorno de flores feitas de rubis com folhas de esmeralda. A ponta era em formato de espeto feito de ouro e adornado com gravações representando caçadas de elefantes.
- E aí, meu menino? A visão deste tesouro não vale a morte? Perguntou a naja.
- De jeito algum! Para que quero isto que chamas de tesouro? Se me deres este aguilhão, ficarei agradecido.
- Para levar o aguilhão vc deve lutar comigo menino disse a cobra.
Mowgli aceitou lutar com a cobra e de repente percebeu que de tão velha a cobra não poderia mordê-lo, pois não tinha mais presas.
Ao ser descoberta, a grande naja ficou muito envergonhada e pediu que o menino não dissesse nada e que levasse o que desejava.
  Mowgli mostrou o aguilhão que havia escolhido. E a grande Naja branca o advertiu:
- Se desejas este aguilhão, podes levá-lo. Mas aviso: ele é a morte!
Mowgli e Kaa sentiram prazer em voltar novamente à luz do dia. Os raios do sol fizeram o aguilhão brilhar e isso deixou Mowgli contente.
 - Tenho de mostrar isso à Bagheera - pensou Mowgli despedindo-se de kaa
Bagheera, a pantera negra, conhecia um pouco sobre homens, pois havia nascido em um circo da cidade e fugido para o Jângal. Ao encontra-la mostrou o aguilhão.
Observando melhor o aguilhão Mowgli pensou:
- É bonito, mas a Naja Branca tem razão. Significa dor para os elefantes. Vendo as gravações de caçada de elefante que tinham desenhado no objeto.
E baguera acrescentou:
- E morte para os homens.
Mowgli não podia compreender por que este objeto causaria morte para os homens, mas pôde compreender, olhando, para o afiado gancho, como ele poderia trazer dor para os elefantes.
 E num gesto rápido, jogou o aguilhão pelos ares.
- Desse modo minhas mãos ficam limpas da morte e da dor.
O sol já se punha todos se recolheram para dormir. Nos sonhos Mowgli via desfilando a sua frente às pedras brilhantes que havia visto na toca do tesouro da cobra branca. Ao acordar, resolveu ir dar mais uma olhada no aguilhão.
Curiosa, Bagheera o seguiu.
Procuraram em vão, o aguilhão não estava mais ali.
Bagheera, muito atenta, notou pegadas deixadas no chão, próximas do objeto e logo concluiu que um homem o havia levado.
Em vista disso, Mowgli curioso resolveu segui-las, a fim ver se o aguilhão realmente significava a morte, como todos haviam dito. E como seria a cara da morte.
As pegadas estavam frescas e nítidas e isso facilitava a tarefa de segui-las.
 De repente começaram a notar, que o molde dos dedos começou a se mostrar mais esparramado o queria dizer que o homem que havia pegado o aguilhão estava correndo.
Repentinamente as pegadas viravam para a direita.
 - Por que alguém mudaria tão subitamente seu caminho? Perguntou Mowgli.
- Vamos investigar! Exclamou Bagheera, e não precisou ir muito longe para perceber que outras pegadas apareciam.
Eram de um homem com pés menores, com os dedões voltados para dentro.
Para entender o que havia acontecido, Mowgli seguiu a trilha dos "pés pequenos" e Baguera a dos "pés grandes".
Caminharam assim por meia hora, sendo que as pegadas, afundadas no chão, mostravam que a corrida se acelerava cada vez mais.
Num determinado momento elas se encontraram, e  menos de 5 metros a frente deles , jazia um homem de pés grandes com uma flecha fincada no seu peito
- A cobra não estava tão velha e louca como você supôs, irmãozinho, disse Bagheera. Uma morte pelo menos existe.
Continuaram sua busca, seguindo apenas as pegadas feitas pelos "pés pequenos". 
Não demorou muito até chegarem numa clareira, onde encontraram os resto de fogo de uma fogueira e estendido, morto, com os pés nas cinzas, um corpo de homem com "pés pequenos".
Mowgli concluiu:
- A mãe Naja conhecia bem a raça dos homens.
Em volta da fogueira, pegadas de quatro homens calçados podiam ser vistas e indicavam quem tinha assassinado o homenzinho.
Seguir quatro homens calçados não seria difícil, pois suas pegadas revelavam que andavam mais devagar e além do mais não deveriam estar muito longe. As brasas da fogueira ainda brilhavam.
Andaram por uma hora até que sentiram cheiro de fumaça, os homens haviam parado para fazer uma refeição.
Farejaram e espionaram por um tempo, até que Bagheera deu um súbito salto e grito:
- Este também foi morto!
Ao lado do corpo de um homem gordo, uma trouxa aberta mostrava restos de um pó branco. Mowgli disse então:
- Os homens matam por tão pouco, este foi morto pela farinha que carregava. Vou levar algumas rãs gordas para a Naja se alimentar, pois ela é sábia. Com este são três mortes na trilha do aguilhão. 
Não tinham andado muito atrás das pegadas, quando viram corvos rondando uma clareira; o fim da história parecia estar lá.
Em volta de uma fogueira se apagando, havia três corpos sem vida.
Um caldeirão sob a fogueira trazia restos do almoço do trio, preparado com a farinha roubada.
Mowgli quebrou um pedaço do seu conteúdo já queimado e endurecido, e exclamou,cuspindo:
- É a maçã da morte!
O homem gordo, da trouxa, envenenou a comida para matar os outros três, mas foi morto antes disso.
Ao lado da fogueira que teimava ainda em soltar algumas faíscas, estava o aguilhão, brilhando, sem dar-se conta do mal que causara.
- Como fiz bem em jogá-lo fora, disse Mowgli. Se ficar aqui, continuará a matar homens, um atrás do outro. Voltará para a Mãe das Najas.
Duas noites mais tarde, quando a Naja Branca, no escuro de sua caverna, estava no meio de suas lamentações, o aguilhão apareceu zumbindo e foi cair no seu velho leito de moedas.
- Mãe das Najas, disse Mowgli, arranja uma cobra nova e bem venenosa para te ajudar a guardar os tesouros do rei, de modo que homem nenhum saia desta sua caverna com vida! Realmente o aguilhão carrega a morte.





Livro da Selva - Rudyard Kipling



Tigre, tigre

Tigre, tigre

Mowgli deixou a toca dos lobos que tinha sido sua casa até aquele momento, despediu-se de sua Mãe Loba  na gruta e deixou as montanhas de Seone. Sozinho rumou à aldeia onde moravam as estranhas criaturas chamadas homens.
Caminhou sozinho por quilômetros até que chegou a porta da aldeia, sentou-se muito cansado e esperou. Ao ver o primeiro homem, apontou para a boca aberta significando que tinha fome.
Este homem muito assustado chamou o sacerdote e com ele vieram muitos outros homens, que se espantaram com o menino nu, com cicatrizes de mordeduras nos membros.  Algumas mulheres constataram que se tratava de um menino provavelmente cuidado por lobos, se tinham muitas noticias disso naquela época. O sacerdote então se lembrou do menino que tinha sido perdido há tempos no jângal e com solenidade mandou chamar   Messua, esposa do mais rico aldeão e que tinha perdido seu filho. Messua foi até o menino e o chamou pelo nome “Nathoo”; porém o menino não reconheceu seu chamado. O sacerdote, no entanto disse que Messua levasse o menino para a casa dela, pois ela havia perdido um filho  pequenino para o jângal e agora o jângal o estava devolvendo.
 A mulher obedeceu ao sacerdote e o levou para sua cabana, ela lhe serviu leite e pão,  mesmo Mowgli não a tendo reconhecido. Muito magoada, Messua disse-lhe que se parecia bastante com seu filho, e acabou ficando com ele como se fosse seu filho perdido.
 Mowgli não se sentia bem dentro da cabada, se sentia sufocado, gostava do ar, da brisa do jângal por nunca ter vivido dentro de uma cabana, mas sossegou quando viu que no teto havia uma janela onde poderia fugir se lhe desse vontade.
Mowgli também se sentia perdido sem entender a linguagem dos homens, porém isso não era um problema para ele que já aprendera a imitar tantas outras linguagens.  Começou a imitar tudo o que Messua falava, tendo assim  aprendido  nesse  mesmo dia o nome de muitas coisas.
Quando   a noite caiu na aldeia e trancaram a porta para que Mowgli dormisse na cama, ele fugiu pela janela, pois não estava acostumado a dormir assim, as cobertas o sufocavam. Foi estirar-se na relva macia do campo vizinho, para lá dormir. Messua ficou muito preocupada pensando que ele iria fugir, porém seu marido a acalmou pedindo que tivesse paciência, pois ele não conhecia nada da vida na aldeia.
Antes que os olhos de Mowgli fechassem naquela primeira noite, um focinho amigo veio farejá-lo, era Lobo Gris, filhote mais moço de Mãe Loba que lhe trazia notícias do jângal:
 -Shere-khan foi à procura de caça, mas quando voltar  jurou que vai te matar. 
Mowgli respondeu:
 -Eu não tenho medo dele; Não me assusto com o juramento de Shere-Khan, porque eu mesmo prometi voltar a Roca do Conselho com sua pele sobre minha cabeça irmão Gris.
Depois de prometido que nunca esqueceria os irmãos da gruta, pediu que Irmão Gris sempre trouxesse notícias.
Passaram-se três meses e Mowgli andava muito ocupado em aprender a língua e os costumes dos homens. Teve que acostumar-se a usar panos em cima do corpo, o que lhe incomodava muito, pois achava que arranhava sua pele, a usar o dinheiro,o arado, que lhe era inútil. Os demais garotos o punham furioso.
Felizmente a Lei do jângal lhe ensinara a dominar seus instintos, porque na vida selvagem o alimento e a segurança dependem muito do domínio sobre si próprio.  Mowgli desconhecia a sua própria força.  No jângal sentia-se fraco, em comparação com os animais selvagens; na aldeia, os homens o consideravam forte como um touro, e nada conhecia a respeito das castas. Tratava a todos com igualdade, o que não agradava a alguns, como o sacerdote.
Mowgli conheceu um caçador chamado  Buldeo, que reunido ao fim das tardes com os  velhos da aldeia contava muitas mentiras sobre os animais do jângal.
 Inclusive contava histórias inventadas por ele sobre fantasmas. Mowgli provocava a raiva do caçador ao desmentir as histórias contadas por ele.
Foi repreendido por meter-se na conversa dos mais velhos, e por ser muito bruto com os outros meninos da aldeia foi mandado a pastorear os bois e búfalos, o que não lhe era nada difícil.
Ele gostava bastante de fazer este serviço, ficava livre dos homens e meninos da aldeia.    Gostavam de levar seus búfalos para pastar em pontos pantanosos onde se podia refrescar do calor, os levou para o extremo da planície,  lá onde o Rio Waigunga sai da floresta.
Chegando lá saltava do pescoço de Rama, o chefe do rebanho e corria ao local onde marcara com o Irmão Gris quando este tivesse alguma noticia do jângal e de Shere-kham.
 Foi onde novamente encontrou Lobo Gris alguns meses após seu encontro no dia em que chegou a aldeia  e combinaram que quando Shere-Khan estivesse caçando Mowgli, este o avisaria. Alguns dias depois, lobo Gris veio avisar que  Shere-khan pretendia atacar Mowgli na  entrada da aldeia, quando este estivesse voltando com os búfalos.
Mowgli, muito mais esperto, ajudado pelo Lobo Gris e Akelá, preparou um plano para matar Shere-khan.
Primeiro perguntou a lobo Gris se o Tigre manco tinha caçado antes de vir ataca-lo, e o lobo confirmou que sim . Era sabido por todo jângal que não se caça de barriga cheia pq se fica mais lento.
Mowgli, lobo Gris e Akelá levaram a manada de búfalos para um local onde havia um barranco e dividiram a manada de búfalos em duas partes: de um lado os machos, do outro as fêmeas e os filhotes; e a ideia era fazer um estouro de boiada sobre Shere-khan que não teria como fugir, pois estaria lerdo pela refeição que acabara de fazer, e cercado por búfalos e pelo barranco seria esmagado.
Assim foi feito. O plano foi bem sucedido. 
 Após o estouro da boiada Mowgli com uma faca que havia aprendido a usar na aldeia foi retirar a pele de Shere-Khan para apresenta-la à Roca do Conselho.
Neste instante apareceu o caçador Buldeo atraído pelo estouro da boiada, ao ver o menino retirando a pele do tigre disse que ficaria com a pele de Shere-Khan, pois havia uma recompensa de 100 rúpias pela morte de tal tigre.
Mowgli recusou-se a entregar a pele do tigre a Buldeo e o caçado ameaçou dar-lhe uma surra, a pedido de Mowgli, Akelá saltou sobre o caçador arremessando o ao chão. Buldeo assustadíssimo conseguiu se livrar de Akelá pedindo perdão a Mowgli.
Buldeo ficou muito assustado achando que era magia ou feitiçaria, pois nunca tinha visto um humano dar ordens a um lobo, ao chegar a aldeia contou histórias de feitiçaria e encantamento que deixou o sacerdote assustado.
Quando terminou de tirar e guardar a pele do tigre,  Mowgli e os amigos recolheram novamente os búfalos e voltaram para a aldeia. Ao chegar viu luzes acesas e pensou ser uma homenagem por ter matado Shere-Khan, mas uma chuva de pedras fora lançada em sua direção contrariando  seus  pensamentos. E ouviam se gritos de todos os lados:
 - Feiticeiro Lobisomem! Demônio do jângal! Fora! Fora! Atira Buldeo!
Mowgli parou assustado com as pedras e os gritos. E akelá falou:
 -Não me parecem muito diferentes dos da alcatéia. Parecem que estão te expulsando do povoado.
 -Outra vez! Exclamou Mowgli. Da primeira vez insultaram-me de homem. Agora de lobo! Vamos embora daqui Akelá.
Messua correu em sua direção e disse:
- Meu filho! Dizem que você é feiticeiro, não creio nisso, vai antes que te matem Só eu sei que vingaste a morte do meu Nathoo.
Mowgli olhou com ternura pra Messua, que tinha sido a única pessoa que o tinha acolhido com amor  e  gritou pra aldeia :
  - Agradecei a Messua, homens! Por amor a ela deixo de invadir a aldeia com meus lobos e caçar a todos
Incitou os búfalos sobre quem os apedrejavam, e  tomou o caminho do jângal seguido de Akelá e lobo Gris. Olhava as estrelas e sentia-se imensamente feliz. Ao chegar ao jângal, após rever  Mãe Loba foi a  Roca do Conselho, onde apresentou a pele do tigre. 
Os lobos que chegavam à Roca estavam aleijados, mancos e feridos, pois tinham ficado sem chefe desde que Akelá tinha perdido o bote.  Ao verem a pele do tigre os lobos pediram para Akelá chefiar novamente a alcatéia. Mowgli, por sua vez resolveu não mais pertencer a alcatéia e caçar sozinho no Jângal somente em companhia dos quatro irmãos lobos.
Livro da Selva - Rudyard Kipling


Como surgiu o medo

Como surgiu o medo

Depois de ter sido decretada a trégua das águas e Shere- Khan ter dito que tinha matado um homem e que esse era seu direito.
Mowgli perguntou então sem entender nada de que direito Shere-khan falava:
- Que direito é esse que Shere-Khan falou Hathi?
- Trata-se de uma história muito antiga, mais antiga que o velho Jângal. Se quiserem ouvir façam silencio. Todo jângal silenciou e Hathi começou :
- No começo do Jângal, ninguém sabe quando foi,  nós convivíamos harmoniosamente, sem que tivéssemos  medo uns dos outros. Não existia seca naquele tempo. Todos os animais alimentavam-se de folhas flores, frutas e cascas.
O Senhor do Jângal era Tha, o Primeiro dos Elefantes.
Foi a tromba de Tha que tirou o Jângal do fundo das águas e  com suas as patas, se formaram lagos. Ocupado em criar novas florestas e abrir novos rios, Tha fez o primeiro dos Tigres,  e deu a ele a função de mestre e o juiz do Jângal, para que se existisse alguma queixa, fosse feita ao primeiro dos tigres, já que Tha não tinha tempo.
Naquela  época , o primeiro dos tigres comia ervas e  frutas como os demais, ele era grande, como eu sou, e belo de cor; tinha a cor das trepadeiras amarelas, nenhuma listra ou pinta marcava sua pelagem macia. Todos os animais chegavam perto dele sem medo, sua palavra era lei.
Todos ouviam atentamente a história de Hathi, inclusive Mowgli.
 - Certa noite, houve uma disputa entre dois gamos, pelas pastagens, que se resolveu a coices e chifradas. Os dois gamos foram à presença do primeiro dos tigres para por fim a discussão, porém durante a conversa, um dos gamos feriu o outro com um dos chifres e, o tigre, esquecido de que era o juiz, deu uma patada quebrando o pescoço do gamo.
Até aquela noite, ninguém havia morrido no jângal. 
A morte não era conhecida pelos animais  e o primeiro dos Tigres, vendo o que fez, sentiu-se atraído pelo cheiro de sangue, correu e mergulhou no mato. Ficando sem juiz, os animais passaram a disputar tudo, deixando o Jângal abandonada.
Quando Tha chegou, nãol he contaram o que havia acontecido, mas Tha percebeu o corpo do gamo. Ele perguntou o que havia acontecido e Ninguém respondeu, estavam todos doidos pelo cheiro do sangue.
Tha então deu ordem aos cipós e árvores de galhos baixos que margeiam as trilhas do jângal para que marcassem o matador, de modo que pudesse ser sempre reconhecido.
Tha perguntou a todos quem queria ser o chefe do povo, o macaco gris saltou dos galhos onde vivia e respondeu que seria o chefe; mas o macaco ficou a pular , brincar e coçar .
Quando Tha voltou de novo, encontrou o macaco Gris de cabeça para baixo, pendurado pelo rabo num galho, fazendo macaquices para o povo do Jângal, que começou a gozar dele. Tinha assim desaparecido a lei, sendo substituída pela conversa tola e sem sentido.
Então, Tha  chamou todos e disse:
- O primeiro chefe que eu dei a vocês, trouxe a morte para o Jângal. É tempo de vocês terem uma lei que não seja quebrada. Será ela o medo. Quando encontrarem o medo, verão que é ele realmente o vosso chefe.
Então o povo do Jângal perguntou:
- Que é o medo?
E Tha respondeu:
- Vocês aprenderão em breve. Procurem!
Então o povo do Jângal espalhou-se à procura do medo. Certo dia os búfalos... Mysa o chefe dos búfalos neste instante mugiu concordando com Hathi. E Hathi continuou:
- Sim, Mysa, os antepassados dos teus búfalos, vieram com a notícia de que no meio da floresta, numa gruta, morava uma criatura sem pelo no corpo e que andava de pé. O povo do Jângal foi até à gruta, e encontrou o medo. Quando nos viu chegar, o pelado gritou, e sua voz nos fez ficar com o medo que até hoje nos causa, sempre que o ouvimos.
Quando o Primeiro dos Tigres ficou sabendo que o povo do Jângal tinha encontrado o medo lá naquela gruta, disse:
- Irei ver essa coisa nua e lhe quebrarei o pescoço.
Disse e fez. Andou a noite toda até a gruta e foi então que as árvores e cipós do caminho atentos às ordens de Tha o riscaram de listras nas costas, na testa e no focinho. Sempre que esbarrava num galho ou cipó, ficava com uma listra ou pinta nova em sua pelagem amarela. E essas marcas até hoje seus descendentes as usam.
Quando ele chegou à gruta, o pelado apontou para ele e disse:
- O manchado aí vem.
O primeiro dos tigres teve medo do pelado e voltou, miando, para o mato. Tão alto miava o tigre, que Tha o ouviu e perguntou:
- O que aconteceu?
- Achei o medo, e ele me expulsou e me chamou de sujo e fiquei mal visto pelo povo do Jângal.
- E por quê? Perguntou Tha.
- Porque eu estava todo listrado de lama!
- Então vá lavar-se no rio, para que tuas listras saiam. Ordenou Tha.
Então, o tigre se banhou no rio para tirar as manchas, mas nenhuma listra saiu.
- O que fiz para ficar assim? Perguntou o tigre.
- Você matou um gamo e espalhou o medo em nosso povo.
Tha então mandou o tigre embora, mas antes disse para o tigre que uma noite a cada ano, quando ele encontrar o pelado, cujo nome é Homem, não terá medo, mas o pelado sim.
Logo depois, ele foi beber água, viu refletir suas listras nas águas e lembrou que o pelado tinha lhe chamado de sujo, então percorreu a selva, esperando o dia que Tha lhe prometeu.
 Ele esperou a lua e foi atrás do pelado, e lhe quebrou a espinha com uma patada, imaginando assim ter matado o medo.
Tha logo ficou sabendo da morte do pelado e foi arás do tigre e para alertar que havia muitos pelados. E para lhe dizer que por ter matado o pelado, ninguém mais iria arás dele, nem dormiriam perto dele.
Quando amanheceu, apareceu na boca da gruta outro pelado, e viu o que o tigre havia feito a seu irmão, e pegou uma enorme lança, com uma ponta afiada, atirou no tigre, que correu até que quebrasse a vara.
Os filhos do Jângal então ficaram sabendo que os pelados poderiam matar de longe e ficaram com medo do Homem. E que foi o primeiro dos tigres que ensinou o homem a matar.
Hathi mergulhou a tromba na água, dando assim por encerrada a história.
Mas Mowgli perguntou a Baloo por que os tigres alimentam-se de carne hoje, se antigamente eles comiam apenas folhas de árvores e ervas. O que foi que o levou a comer carne?
E Baloo respondeu:
- Porque ele quebrou apenas o pescoço do gamo e não o comeu, mas as árvores e cipós o haviam marcado. Por isso, o tigre não se alimentou mais de folhas e ervas rasteiras.
Mowgli perguntou se Baloo conhecia esta historia e ele respondeu:
- Sim, eu sei de muitas histórias, Mowgli! 

Livro da Selva - Rudyard Kipling


Trégua das águas e como surgiu o medo

Trégua das águas e como surgiu o medo


Certa vez, quando as chuvas deram de falhar, e a Jângal ficava cada dia mais seca, a caça rareava a cada dia que passava, e os animais estavam morrendo mais a cada dia.
 O único que engodava era Chill, o urubu que comia carniça, e como tinha carniça!
O Waingunga um grande rio que cotava a jângal era a única reserva de água ficava cada dia mais raso.
Foi quando Hathi, o elefante selvagem, viu no centro do rio surgir uma rocha brilhante,  ele reconheceu que era a Rocha da Paz.
Ele sabia que quando a rocha da paz surgia no centro do Waingunga era chegada a hora de decretar a trégua das águas; ergueu então sua tromba e como seu pai já havia feito a muitos anos  arás decretou a trégua das águas no jângal.
Segundo a Lei do Jângal, quando a trégua das águas é proclamada fica proibido caçar nas horas de matar a sede, pois os animais vinham magros de fome ao bebedouro. E mais importante que comer é beber.
Todos os animais do jângal, nessa época de seca se reuniam as margens do Waingunga  para falar da seca e das coisas que aconteciam.
Estavam lá Mowgli, Baguera, Baloo, Hathi e outros tanto animais quando, Shere-Khan o tigre manco chegou ao bebedouro para molhar sua grande cara listrada e todos repararam que a água ficou toda manchada de vermelho.

O Tigre comentou que tinha matado, não fazia uma hora, um homem.
Hathi perguntou a Shere-Khan se ele havia matado o homem por gosto ou para matar a fome
 Shere Khan respondeu sem cerimônia alguma:
-  Era meu direito e estava em minha noite de caça.
- Sim eu sei, disse Hathi. Se já acabou, então pode ir embora.
 Mowgli perguntou então sem entender de que direito Shere-khan falava:
- Que direito é esse que Shere-Khan falou Hathi?
- Trata-se de uma história muito antiga, mais antiga que o velho Jângal. Se quiserem ouvir façam silencio. Todo jângal silenciou e Hathi começou:
- No começo do Jângal, ninguém sabe quando foi nós convivíamos harmoniosamente, sem que tivéssemos medo uns dos outros. Não existia seca naquele tempo. Todos os animais alimentavam-se de folhas flores, frutas e cascas.
O Senhor do Jângal era Tha, o Primeiro dos Elefantes.
Foi a tromba de Tha que tirou o Jângal do fundo das águas e com suas as patas, se formaram lagos. Ocupado em criar novas florestas e abrir novos rios, Tha fez o primeiro dos Tigres, e deu a ele a função de mestre e o juiz do Jângal, para que se existisse alguma queixa, fosse feita ao primeiro dos tigres, já que Tha não tinha tempo.
Naquela época , o primeiro dos tigres comia ervas e  frutas como os demais, ele era grande, como eu sou, e belo de cor; tinha a cor das trepadeiras amarelas, nenhuma listra ou pinta marcava sua pelagem macia. Todos os animais chegavam perto dele sem medo, sua palavra era lei.
Todos ouviam atentamente a história de Hathi, inclusive Mowgli.
 - Certa noite, houve uma disputa entre dois gamos, pelas pastagens, que se resolveu a coices e chifradas. Os dois gamos foram à presença do primeiro dos tigres para por fim a discussão, porém durante a conversa, um dos gamos feriu o outro com um dos chifres e, o tigre, esquecido de que era o juiz, deu uma patada quebrando o pescoço do gamo.
Até aquela noite, ninguém havia morrido no jângal. 
A morte não era conhecida pelos animais  e o primeiro dos Tigres, vendo o que fez, sentiu-se atraído pelo cheiro de sangue, correu e mergulhou no mato. Ficando sem juiz, os animais passaram a disputar tudo, deixando o Jângal abandonada.
Quando Tha chegou, nãol he contaram o que havia acontecido, mas Tha percebeu o corpo do gamo. Ele perguntou o que havia acontecido e Ninguém respondeu, estavam todos doidos pelo cheiro do sangue.
Tha então deu ordem aos cipós e árvores de galhos baixos que margeiam as trilhas do jângal para que marcassem o matador, de modo que pudesse ser sempre reconhecido.
Tha perguntou a todos quem queria ser o chefe do povo, o macaco gris saltou dos galhos onde vivia e respondeu que seria o chefe; mas o macaco ficou a pular , brincar e coçar .
Quando Tha voltou de novo, encontrou o macaco Gris de cabeça para baixo, pendurado pelo rabo num galho, fazendo macaquices para o povo do Jângal, que começou a gozar dele. Tinha assim desaparecido a lei, sendo substituída pela conversa tola e sem sentido.
Então, Tha  chamou todos e disse:
- O primeiro chefe que eu dei a vocês, trouxe a morte para o Jângal. É tempo de vocês terem uma lei que não seja quebrada. Será ele o medo. Quando encontrarem o medo, verão que é ele realmente o vosso chefe.
Então o povo do Jângal perguntou:
- Que é o medo?
E Tha respondeu:
- Vocês aprenderão em breve. Procurem!
Então o povo do Jângal espalhou-se à procura do medo. Certo dia os búfalos... Mysa o chefe dos búfalos neste instante mugiu concordando com Hathi. E Hathi continuou:
- Sim, Mysa, os antepassados dos teus búfalos, vieram com a notícia de que no meio da floresta, numa gruta, morava uma criatura sem pelo no corpo e que andava de pé. O povo do Jângal foi até à gruta, e encontrou o medo. Quando nos viu chegar, o pelado gritou, e sua voz nos fez ficar com o medo que até hoje nos causa, sempre que o ouvimos.
Quando o Primeiro dos Tigres ficou sabendo que o povo do Jângal tinha encontrado o medo lá naquela gruta, disse:
- Irei ver essa coisa nua e lhe quebrarei o pescoço.
Disse e fez. Andou a noite toda até a gruta e foi então que as árvores e cipós do caminho atentos às ordens de Tha o riscaram de listras nas costas, na testa e no focinho. Sempre que esbarrava num galho ou cipó, ficava com uma listra ou pinta nova em sua pelagem amarela. E essas marcas até hoje seus descendentes as usam.
Quando ele chegou à gruta, o pelado apontou para ele e disse:
- O manchado aí vem.
O primeiro dos tigres teve medo do pelado e voltou, miando, para o mato. Tão alto miava o tigre, que Tha o ouviu e perguntou:
- O que aconteceu?
- Achei o medo, e ele me expulsou e me chamou de sujo e fiquei mal visto pelo povo do Jângal.
- E por quê? Perguntou Tha.
- Porque eu estava todo listrado de lama!
- Então vá lavar-se no rio, para que tuas listras saiam. Ordenou Tha.
Então, o tigre se banhou no rio para tirar as manchas, mas nenhuma listra saiu.
- O que fiz para ficar assim? Perguntou o tigre.
- Você matou um gamo e espalhou o medo em nosso povo.
Tha então mandou o tigre embora, mas antes disse para o tigre que uma noite a cada ano, quando ele encontrar o pelado, cujo nome é Homem, não terá medo, mas o pelado sim.
Logo depois, ele foi beber água, viu refletir suas listras nas águas e lembrou que o pelado tinha lhe chamado de sujo, então percorreu a selva, esperando o dia que Tha lhe prometeu.
 Ele esperou a lua e foi atrás do pelado, e lhe quebrou a espinha com uma patada, imaginando assim ter matado o medo.
Tha logo ficou sabendo da morte do pelado e foi arás do tigre e para alertar que havia muitos pelados. E para lhe dizer que por ter matado o pelado, ninguém mais iria arás dele, nem dormiriam perto dele.
Quando amanheceu, apareceu na boca da gruta outro pelado, e viu o que o tigre havia feito a seu irmão, e pegou uma enorme lança, com uma ponta afiada, atirou no tigre, que correu até que quebrasse a vara.
Os filhos do Jângal então ficaram sabendo que os pelados poderiam matar de longe e ficaram com medo do Homem. E que foi o primeiro dos tigres que ensinou o homem a matar.
Hathi mergulhou a tromba na água, dando assim por encerrada a história.
Mas Mowgli perguntou a Baloo por que os tigres alimentam-se de carne hoje, se antigamente eles comiam apenas folhas de árvores e ervas. O que foi que o levou a comer carne?
E Baloo respondeu:
- Porque ele quebrou apenas o pescoço do gamo e não o comeu, mas as árvores e cipós o haviam marcado. Por isso, o tigre não se alimentou mais de folhas e ervas rasteiras.
Mowgli perguntou se Baloo conhecia esta historia e ele respondeu:
- Sim, eu sei de muitas histórias, Mowgli


Livro da Selva - Rudyard Kipling